Quando o medo é um transtorno

terça-feira, 9 de agosto de 2011.

O medo pode ser um guardião e um perseguidor. Isso ocorre quando as reações que nos preparam para a fuga ou a luta são desproporcionais aos estímulos que as originaram, têm duração excessiva ou ocorrem na ausência de fontes de perigo que as justifiquem. Nesses casos, tais reações exercem papel desajustador, e os distúrbios de ansiedade, que têm lotado consultórios de psicólogos e psiquiatras, são exemplos claros. Eles incluem desde fobias até casos de ansiedade generalizada, distúrbio de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e pânico. Fobias são medos exagerados e inadequados diante de estímulos que parecem inofensivos: lugares altos(acrofobia), fechados (claustrofobia), abertos (agorafobia), situações sociais (fobia social) ou até um simples inseto.
A ansiedade generalizada decorre da preocupação excessiva, descontrolada e duradoura (por meses ou anos) com eventos variados. A intensidade, e freqüência dessa preocupação é desproporcional à real probabilidade de ocorrência do evento ameaçador ou do seu possível impacto. São também comuns sintomas como fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular e distúrbios de sono, mas o sujeito não consegue discernir claramente a fonte de sua ansiedade. No distúrbio de estresse pós-traumático, o sujeito não consegue se livrar das lembranças de um evento traumático, o que gera grande ansiedade. Finalmente, casos de distúrbio obsessivo-compulsivo e pânico também têm sido comuns. No primeiro, idéias desagradáveis recorrentes levam a comportamentos ou rituais estereotipados, como lavar as mãos a todo o momento para evitar fontes de contágio. Já o distúrbio de pânico é marcado por apreensões muito intensas, súbitas, que trazem taquicardia, tremores, náuseas, tonturas, sufocamento e sentimentos de pavor e morte iminentes. Alguns psicólogos e geneticistas sugerem que, além de provavelmente envolver mecanismos de aprendizagem, a ansiedade patológica é resultante de uma super preparação do mecanismo de defesa media do pelo medo. Embora todos estejam preparados para reagir com medo diante de certos estímulos, em alguns a reação é mais intensa.
Diferença explicada pela variabilidade genética decorrente da evolução. As pessoas cujos genes determinam essa super preparação para a reação seriam mais vulneráveis aos distúrbios de ansiedade, em especial às fobias. A possibilidade de esses distúrbios apresentarem causas e tratamentos distintos também é investigada. Recentemente, John Deakin, da Universidade de Manchester (Inglaterra), e Frederico G. Graeff, da Universidade de São Paulo (em Ribeirão Preto), lançaram uma teoria sobre o papel da amígdala e da matéria cinzenta periaquedutal nesses males. Segundo essa teoria, o distúrbio de pânico envolve uma disfunção de serotonina na matéria cinzenta periaquedutal, enquanto a ansiedade generalizada e as fobias estão associadas à ativação desse neurotransmissor na amígdala. A compreensão das bases neurobiológicas das diferenças entre os distúrbios de ansiedade ajudará tanto a criar medicamentos mais eficazes quanto a entender melhor por que e como as psicoterapias aliviam os sintomas dos pacientes. Nesse caso, as pistas têm sido dadas pela constatação, nos últimos 20 anos, de que as psicoterapias atuam no cérebro de modo muito semelhante a fármaco terapia: alterando o padrão de comunicação sináptica entre os neurônios. Um dos estudos mais interessantes a esse respeito foi realizado recentemente por um grupo liderado pelo norte-americano Lewis Baxter. Dois grupos de pacientes obsessivo-compulsivos receberam tratamentos diferentes: um foi tratado só com psicoterapia e o outro só com fármaco terapia. Doses diárias de fluoxetina (Prozac), droga antidepressiva que, curiosamente, é eficaz em alguns distúrbios de ansiedade. Um terceiro grupo serviu de controle e não recebeu qualquer tratamento. O funcionamento do cérebro de todos foi avaliado através de tomografias por emissão de pósitrons.
Ambos os tratamentos não só tiveram os mesmos resultados, reduzindo muito os sintomas obsessivos, como também alteraram de maneira similar o funcionamento de uma estrutura cerebral denominada núcleo caudado (figura acima). Os resultados, reproduzidos mais tarde pelo mesmo grupo de pesquisadores, confirmam que a psicoterapia é capaz de alterar o funcionamento neural. Além disso, encorajam novas pesquisas sobre as bases psicobiológicas do medo e de seus distúrbios e ressaltam a necessidade de uma abordagem científica interdisciplinar no caso de temas complexos como o medo e outras emoções.
 Fonte: Trecho de matéria da Revista Ciencia  Hoje

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